Cacique de Ramos:
seis décadas de carnaval
Inicialmente, o Cacique de Ramos não possuía alas. A característica do bloco era a massa compacta e indiferenciada de homens e mulheres, todos trajando a fantasia de napa nas cores preto e branco, com alguns detalhes em vermelho. Na memória de foliões antigos esse foi o tempo da “Ala da Napa”. Os primeiros componentes com indumentárias próprias são notados em meados dos anos 70. As pioneiras alas a merecerem destaque no Cacique surgem por razões estéticas, em virtude das fantasias diferenciadas que seus integrantes confeccionavam: Ala da Ráfia, Ala das Plumas, Ala das Penas, Chuva de Prata. Aos poucos, aparecem também grupos de amigos, de bairro ou de profissão, que organizavam turmas com nomes associados ao imaginário indígena. Com a autorização do Cacique, elas passaram a desfilar no bloco ornando suas próprias fantasias e adereços, e não mais a indumentária de couro da napa. A memória dos componentes registra como exemplos dessa época: Apache (1ª fase), Comanche (1ª fase), Cheyenne (1ª fase), Navajo, Pantera, Moicano, Paixão. Muitas desaparecem na década de 1990, e a partir de 2005 houve o surgimento de novos grupos. São todos unidos por laços familiares e fraternos que os mantém próximos para além dos dias de carnaval.
O Centro de Memória do Cacique de Ramos convidou as cinco alas atualmente ativas para produzirem conteúdo para essa exposição. A seguinte dinâmica foi sugerida: a seleção de fontes que ajudassem a contar a história dos seus grupos. Os presidentes das alas convocaram entre 5 e 10 integrantes para rodas de conversas presenciais, conduzidas e gravadas em áudio pelo Centro, nas quais foram levantadas informações sobre elas. Apenas a Ala Apache não pôde comparecer e a dinâmica foi virtual, apenas com a participação do seu presidente. Posteriormente, os componentes selecionaram itens dos seus acervos pessoais, a partir do seguinte roteiro:
Os textos abaixo, redigidos pelo Centro, resultam das informações trazidas pelas alas, e todos os documentos foram selecionados pelos próprios integrantes.
A primeira versão da Ala Apache surgiu ainda na década de 70, na rua Aimoré, Penha, com a reunião de amigos do bairro, sob a direção de Maroca e Caquinho. O nome foi inspirado nos índios norte-americanos, considerados bravos e guerreiros. As fantasias eram confeccionadas e pintadas manualmente pela mãe de um dos integrantes, no quintal da família. Na década seguinte, sob nova diretoria, teve seu “quartel-general” transferido para a Vila da Penha e passou a incorporar pessoas de outros estados, como Minas Gerais e São Paulo. As fantasias começaram a ser confeccionadas em helanca light e sublimada.
Na década seguinte, diminuiu o número de componentes fantasiados no Cacique. A Ala Apache, com Wilson Cândido à frente, teve um papel importante na reanimação dessa prática. Os integrantes ficaram incomodados com a descaracterização e temiam que o bloco passasse a ser composto apenas por foliões de camiseta. Imbuídos do espírito de que isso deveria mudar, conseguiram engajar novos componentes e manter a tradição da fantasia de índio. Segundo o presidente Wilson, durante quatro anos a Ala Apache foi a única fantasiada nos desfiles. Posteriormente, ex-integrantes da Ala Apache saíram para criar seus próprios grupos, como a Guerreiros (2006) e a Cheyenne (2013).
O símbolo utilizado inspira-se em emblema antigo do próprio Cacique de Ramos. Atualmente, a Ala Apache conta com quatro diretores e é definida por seu presidente Wilson Cândido como uma grande família. Em 2020, desfilou com 130 componentes.
Alguns pontos considerados relevantes pelo seu dirigente:
Participaram do exercício: Lerio Zacharias, Ana Amorim, Beatriz Santana, Maurina Mota, Milton Soares e José Augusto Victorio.
A primeira versão da Ala Cheyenne foi criada em 1985 por um grupo de 16 jovens amigos. Eles desejavam desfilar pelo Cacique, mas só chegavam “em cima da hora” e não conseguiam comprar as fantasias de napa vendidas pelo bloco nem aquelas confeccionadas pelas alas que já existiam. Então resolveram criar indumentárias por conta própria, ainda manualmente, e naquele primeiro carnaval desfilaram como “índios do Cacique”. No ano seguinte, adotaram a denominação Cheyenne, nome de nação norte-americana que conheceram nas histórias do “Texas Kids”. Um fato curioso citado por Lério Zacharias, um desses fundadores, é que eles investiam na produção de botas para que todos os 16 tivessem a mesma altura no desfile, o que causaria um efeito visual interessante. O grupo se manteve até 1994, quando se desfez. Muitos deixaram de desfilar, e Lério se integrou à Ala Apache.
Em 2012, o fundador recebeu um incentivo para reativar o antigo nome, e no carnaval de 2013 a ala foi retomada, desfilando com 34 componentes. O grupo considera que uma importante virada se deu a partir de 2016 . Nesse ano Beatriz Santana - a Bia - , ex-componente da Ala Apache, a poucos dias do carnaval, levou sua turma de cerca de 20 pessoas para desfilar na Cheyenne. A Ala que começou tímida cresceu bastante, e conseguiu envolver pessoas de diversas cidades do Rio de Janeiro, de outros estados brasileiros e também do exterior. Todos salientam a relevância dos espaços de convivência no meio de ano na aproximação entre os componentes, seja nos diversos eventos que frequentam juntos ou nas comunicações virtuais em grupos de Whatsapp e redes sociais. Atualmente, Bia tem papel ativo no estímulo ao estreitamento de laços entre os integrantes e Lério Zacharias, como fundador e mais antigo componente, é visto como a grande ponte entre veteranos e novatos.
Nos anos 80 e 90, o grupo não tinha um símbolo específico. Já de 2013 em diante, adotaram duas machadinhas cruzadas, referência às armas usadas pela nação indígena estadunidense. Em 2020, desfilaram com cerca de 322 componentes.
Alguns pontos considerados importantes pelo grupo:
Participaram do exercício: Leila Ramos, Nara Ramos, Lucienne Ramos, Jefferson Carlos.
Leila Ramos já era uma veterana foliã de blocos de embalo, com passagem na condução de ala no Bohêmios de Irajá, e no início dos anos 2000 desfilava no Cacique de Ramos com parte da sua família na ala de camisa Cura Ressaca. As filhas saíam fantasiadas de índio e uma delas, Nara, chegou a desfilar grávida em 2003. Ela e a irmã Lucienne incentivaram a mãe a criar uma ala para que desfilassem todas juntas. Por sugestão do diretor Onça, Dona Leila solicitou autorização ao Presidente Bira e esse ao saber que os integrantes seriam a própria família dela sugeriu “Família” como prenome, orientação acatada. A ala foi oficialmente fundada em 13 de janeiro de 2005 e a escolha do nome Carajás é uma homenagem aos indígenas brasileiros, expressão da devoção das fundadoras aos caboclos da Umbanda. A família está sediada no bairro de Cabuçu, município de Nova Iguaçu, e conduz uma casa de Candomblé.
Inicialmente desfilando com 12 integrantes, a Família Carajás cresceu e atualmente conta com adeptos até na zona sul do Rio de Janeiro, a quilômetros da Baixada Fluminense. Porém, até hoje o núcleo fundamental são os integrantes da família: o marido Américo, o genro Jefferson, além de netos, sobrinhos, etc, todos envolvidos no amor pelo Cacique. Dona Leila ressalta que dentre as alas, a sua é a que menos consegue estar presente no cotidiano da quadra pelo fato de morarem distante e também pela dedicação às atividades religiosas, o que se inicia com a quaresma e se estende até dezembro. A partir daí, dedicam-se de corpo e alma à preparação do carnaval. Nos dias de desfile, o núcleo familiar da Carajás “desce” de Cabuçu em ônibus alugado municiado de tudo que precisa para passar o carnaval, inclusive os cachorros da casa. A fé é parte fundamental da trajetória dessa ala. Segundo suas filhas, Dona Leila já fez até promessa aos caboclos para realizar o carnaval da Família Carajás. Isso influenciou a escolha do símbolo do grupo, que são três tambores. De acordo com as fundadoras, eles demonstram a vinculação às religiões de matriz africana e são sinônimo de festa, alegria e ancestralidade. A Presidente é Leila Ramos e os diretores são Américo, Nara Ramos, Lucienne Ramos e Jefferson Carlos. Em 2020, desfilaram com cerca 150 componentes.
Alguns pontos considerados relevantes pelo grupo:
Participaram do exercício: Marcelo Almeida (Marcelo Guerreiros) e Luiz Carlos Lima (Boneco).
A Ala Guerreiros surgiu em 04 de março de 2006 como uma dissidência da Ala Apache. Mencionam-se como fundadores os nomes de Celso Oliveira, Luiz Carlos (Boneco), Marcelo Almeida, Celso Xavante, Edna e Maria das Dores Lara. Inicialmente, tinham o nome de Falcon, mas logo em seguida escolheram o epíteto que permaneceu. A definição relaciona-se com a visão que os integrantes tinham da situação do Cacique de Ramos naquela época. Segundo eles, o carnaval da agremiação vivia uma fase de pouca visibilidade, a tal ponto de escutarem manifestações de surpresa de outras pessoas quando diziam que eram do Cacique. Nessa fase de baixa, portanto, eles seriam os guerreiros a lutar pela manutenção da folia carnavalesca do bloco.
Como resultado desse empenho, a ala nasceu grande: no primeiro carnaval, 2007, já desfilaram com 80 integrantes. Hoje, seus coordenadores consideram a Guerreiros como a mais numerosa do Cacique, e é ela quem encerra os desfiles. A grande marca da Guerreiros, desde a sua fundação, é a criação de momentos de descontração fora do período de carnaval. Segundo Marcelo e Boneco, a amizade surgida nesses encontros tem papel fundamental no entrosamento dos componentes durante o desfile do bloco. São exemplos de comemorações já realizadas pela Ala Guerreiros: festas juninas, de dia das mães, dia dos pais, dia das crianças e à fantasia. Atualmente, só realizam a festa de entrega da camisa e a festa de final de ano, que culmina com um amigo oculto realizado na quadra da entidade.
O símbolo da ala é uma adaptação da imagem do próprio Cacique, com o rosto do índio virado para a direita, posição contrária à da logo oficial. Segundo Marcelo, ela foi criada em 2006, quando havia certa dúvida entre os componentes sobre a posição correta do emblema da agremiação. Assim ficou a marca da Guerreiros, e anualmente são modificadas as cores que a emolduram, ou criados desenhos especiais que façam alusão a datas especiais, como os 50 e os 60 anos do Cacique. Em 2020, desfilaram com cerca de 320 pessoas.
Alguns pontos considerados importantes pela dupla:
Participaram do exercício: Flávio Wyatt, Catia Cristina, Selma Reis e Luciene Areosa.
A história da Ala Tamoio está ligada fundamentalmente ao nome de Celso Oliveira. Ele foi um folião apaixonado do Cacique de Ramos desde os 17 anos, pelo qual desfilou durante 46 anos. Celso começou no “tempo da napa” e a partir de 2001 se integrou à Ala Apache. Em 2006, junto com outros companheiros dessa Ala abriu a dissidência que deu origem à Ala Guerreiros. Já no ano de 2009, Celso resolveu fundar uma ala própria, empreitada na qual teve o apoio de Flávio Wyatt, seu vizinho de prédio, inserido no Cacique pelo próprio amigo em 1999. Flavinho foi o responsável pela escolha do nome do novo grupo. Pesquisando na internet, descobriu o termo Tamoio, que designa a junção das nações tupi que se aliaram aos franceses para guerrear com os portugueses na Baía da Guanabara, no século XVI, nos primórdios da cidade do Rio de Janeiro. Flavio acreditava que a história do passado inspiraria força e união. Vencendo a resistência de Celso, presidente da nascente ala, conseguiu batizar o grupo com aquele nome.
O grupo desfilou inicialmente com 13 componentes e tem como local de origem o bairro de Vista Alegre. Celso confeccionava, de modo artesanal, todas as fantasias em cetim e silk-screen. Posteriormente, passaram a ser encomendadas a uma costureira do bairro. No entanto, os cocares sempre foram sua responsabilidade. Aos poucos, o grupo conseguiu a adesão de novos integrantes, sempre orbitando ao redor do “paizão” Celso. Os mais próximos enfatizam a personalidade cativante e amorosa do presidente, mas também sua teimosia em igual medida, o que muitas vezes gerava discordâncias entre o núcleo que conduzia a ala. Eles indicam a entrega demasiada de Celso à Tamoio, a ponto de fazer empréstimos para doar fantasias a integrantes que não podiam comprá-las. A partir de 2015, ele enfrentou sérios problemas de saúde que eventualmente o deixaram hospitalizado. O grupo salienta o papel de Luciene Areosa na manutenção dos trabalhos da Tamoio em um desses períodos de ausência. Mesmo passando por amputações e usando cadeira de rodas, ele nunca deixou de comparecer à roda de samba do Cacique e aos desfiles, até o seu falecimento em 1º de junho de 2020.
O símbolo usado pela Ala Tamoio durante anos foi um coração com o nome da ala em seu interior. Segundo os integrantes, simbolizava o que Celso queria transmitir para seus companheiros: amor acima de tudo. Após 2020, um novo símbolo foi introduzido pelo presidente Flávio: uma cabana estilizada, inspirada em nações indígenas norte-americanas. Segundo ele, a opção não tem qualquer objetivo de apagar as raízes do grupo, apenas trazer nova inspiração em virtude da sentida ausência de Celso Oliveira. Em 2020, desfilaram com cerca de 80 componentes.
Alguns pontos considerados relevantes pelo grupo: